A fotógrafa americana Annie Leibovitz dispensa apresentações. Seus retratos de personalidades mundiais do show business e da política - publicados nas revistas Rolling Stone (de 1970 a 1983) e Vanity Fair (de 1983 em diante) - são conhecidos de todos que se interessam por fotografia.
Annie já foi homenageada diversas vezes nas mais importantes publicações especializadas, como a American Photo, que, na última edição (fevereiro/março), dedica 50 páginas da revista inteiramente ao trabalho da fotógrafa. Não é preciso nem dizer que se trata de uma aula de fotografia imperdível, obrigatória tanto para os profissionais (quem de nós já teve o privilégio de fotografar a Rainha Elizabeth no Palácio de Buckingham?) quanto para os iniciantes.
Por isso, o Blog da Foto publica, em primeira mão, a tradução de todo o texto disponiblizado pela American Photo em seu site, que é uma parte importante da matéria publicada na revista. Espero que, assim como eu, vocês tirem o maior proveito dessa Master Class com Annie Leibovitz.
Leveza
Arnold Newman disse que fotografia é 1% talento e 99% arrastar os móveis. Eu me lembro sempre disso quando nós estamos numa locação e mudamos o set - o palco, as luzes, o fundo, os sacos de areia, os refletores. E mudamos tudo de novo. E de novo. Aí eu tenho que fechar os olhos para o que está sendo feito. O trabalho manual é aterrorizante.
Eu não comecei assim. No início, eu viajava sozinha. Carregava o meu equipamento e usava uma luz que eu mesma podia montar. Algumas pessoas viam isso como um estilo. Um repórter da American Photographer disse uma vez que a sombrinha e o flash refletidos no espelho em um retrato que fiz do Jimmy Carter era um "artifício criativo." Pelo que me lembro, eu atravessei a sala carregando a luz, liguei-a numa tomada e comecei a fotografar. Não pensei em nada disso.
Câmeras
Minha primeira câmera foi uma Minolta SR-T 101. Ela veio com uma lente de 55mm. Trabalhar com essa lente foi um bom aprendizado. Muitos dos outros estudantes do San Franciso Art Institute usavam lentes de 35mm. Acontece que você pode ser um pouco desleixado com uma lente grande angular. A 55mm (normal) me ensinou a ter muito cuidado com o enquadramento. Quando decidi levar a fotografia a sério, eu relutantemente vendi a Minolta e comprei uma Nikon F com uma lente de 35mm.
Depois de alguns anos usando uma Hasselblad (formato 6x6) para fotografar as capas da Rolling Stone, comecei - a partir de meados dos anos 1985 - a trabalhar com uma Mamya RZ67 (formato 6x7), que eu segurava como uma câmera 35mm. Quando passei para o digital, eu coloquei um back digital na minha Mamya. Isso não era o ideal, já que não podia usar o quadro inteiro (full frame). Além do mais, o corpo com o back era difícil de segurar e o longo tempo que a câmera levava para processar as imagens tornava tudo muito lento.
Por isso, resolvi experimentar uma SLR digital - uma Canon - quando fotografei a Mary J Blige para a Gap. É que eu queria fazer a foto dela cantando, em plena ação. Isso significava muito movimento e, para isso, precisava de uma câmera rápida. Quando vi as fotos e constatei que eram perfeitamente usáveis, eu decidi abandonar as câmeras de formato médio.
Luzes
Helmut Newton costumava dizer que eu deveria jogar fora os meus flashes. Helmut era um mestre da luz natural. Ele é o único fotógrafo que eu conheci que podia fotografar com a luz da meia-noite. E ele tirava vantagem disso - aquelas sombras duras, o contraste.
A luz natural é a grande mestre. Você sempre posiciona o flash seguindo a direção da luz natural. Em fotos externas, se você adicionar flash à luz natural, terá um estúdio à luz do dia. Ao trabalhar dentro do estúdio, você imagina como seria a luz natural e tenta recriá-la. No entanto, eu nunca consegui fazer uma luz de flash tão bonita como a luz natural.
Minha luz principal é quase sempre um único flash. Uma única sombrinha. Eu gosto dessa simplicidade. O flash enfatiza a direção da luz e ilumina o rosto do modelo. O resto do cenário pode ser iluminado com a luz natural. Mas você tem que estar preparado para usar uma luz de enchimento, que vem da direção da câmera.
Com as câmeras digitais, você pode fotografar com ISOs altos, o que significa poder usar menos luz. Por isso, hoje eu minimizo a lista de coisas que levo para uma sessão de fotos. Posso sair com apenas duas cabeças de flash e duas pequenas sombrinhas refletoras.
Fotômetros
Um fotômetro é só um guia. Ele não precisa ser usado literalmente. Ao diminuir a luz do flash, nós fazemos isso também com a luz natural, ao invés de aumentar a exposição. Depois, ajustamos um ou dois stops abaixo da luz natural. Eu gosto do jeito que as coisas ficam quando estão pouco iluminadas. As fotos escuras parecem refinadas, misteriosas.
Tripés
Meu tripé original são as minhas duas pernas. Sendo capaz de mover, subir e descer, é uma parte importante do meu trabalho. Quando a câmera é colocada num tripé, parece diferente de como ela fica nas mãos. Meus assistentes colocam um tripé perto de mim e eu não uso. Com um tripé, você tende a imobilizar tudo em volta. Movimentando o seu corpo, você inconscientemente deixa todos mais à vontade.
Perguntas frequentes:
Que conselhos você daria para um jovem fotógrafo que está começando agora uma carreira?
Eu já disse um milhão de vezes que a melhor coisa que um jovem fotógrafo pode fazer é ficar perto de casa. Comece com seus amigos, com a sua família, com as pessoas que aceitarão ser fotografadas por você. Descubra o que significa estar próximo do seu trabalho, ter intimidade com as pessoas. O que quero dizer é que você deve fotografar algo que tenha importância para você. Quando eu era uma jovem fotógrafa da Rolling Stone, aprendi que isso é o que realmente importa. E tanto faz se suas fotos serão publicadas ou não.
Qual a pessoa mais difícil que você fotografou?
Normalmente, as dificuldades não têm muito a ver com as pessoas. O que causa problemas são coisas como o tempo. Se tem muito ou pouco sol. Se o cabelo ou a maquiagem não estão bons. Se o flash não dispara tão rápido quanto deveria. Pela minha experiência, as pessoas mais difíceis são aquelas que estão há muito tempo no show business. Especialmente as que trabalham no meio desde crianças. Elas fazem isso há tantos anos que acabam perdendo um pouco o senso de realidade.
Quantas fotos você faz em uma sessão?
Certamente menos do que eu fazia quando era jovem.
Você está feliz com a mudança do filme para o digital?
Eu me lembro quando o Kodachrome II foi lançado nos anos 1970. Muitos fotógrafos compraram pacotes e estocaram em geladeiras. O que interessa agora é que isso acabou. O digital está aqui, você goste ou não. No começo, eu deixava o processo assumir o controle. As produções eram incrivelmente complicadas. O ritmo de fotografar mudou. Eu tenho que dizer à pessoa que vou sair da sala para checar a foto no monitor, o que soa sempre um pouco rude. Mas atualmente eu não costumo ter um monitor no set, e se tenho não olho muito para ele. Nós usamos um laptop, mas eu não fico amarrada nele. Nem na tela da câmera eu olho muito.
De onde você tira as suas idéias?
Eu faço o meu dever de casa. Quando estava me preparando para fotografar Carla Bruni - esposa de Nicolas Sarkozy, o presidente da França - no Palácio Élysée, eu olhei as fotos do palácio. Olhei as fotos de outras pessoas que viveram no palácio. Fotos de casais apaixonados. Fotos que outros fotógrafos fizeram de Carla Bruni. Eu sou fã de fotografia. Uma estudante, se você preferir. Algo na história da fotografia pode contribuir para o estilo que eu escolher para a foto. O estilo da fotografia é parte da idéia.
Quando você sabe que tem uma boa foto?
Quando era jovem, nunca sabia quando parar. Nunca podia dizer o que já tinha. Eu tinha medo de perder alguma coisa se parasse. Me lembro de trabalhar com o escritor David Felton em uma matéria sobre os Beach Boys e ter ficado surpresa quando, em determinado momento, ele simplesmente foi embora. Disse que já tinha material suficiente, o que parecia incompreensível para mim. À medida que fui ficando mais experiente, eu comecei a entender que alguém que está sendo fotografado só pode trabalhar por um determinado período e que você não deve forçar a situação.
O quanto você dirige uma sessão de fotos?
Muito da direção das fotos acontece antes que a pessoa chegue. Este, certamente, é o caso dos retratos. Quando a pessoa chega, nós já sabemos o que é possível ou não fazer com ela. Muito do meu trabalho é pós momento decisivo. É estudado. Uma espécie de arte performática. Seria agradável ter mais espontaneidade, mas as circunstâncias nem sempre permitem isso.
Como você consegue deixar as pessoas à vontade para fazer as coisas que elas fazem nas suas fotos?
Eu nunca me preocupo com isso. Sempre achei que esse é um problema de cada um. Deixar as pessoas à vontade não faz parte do meu trabalho. A questão é que alguém quer uma "boa" foto, mas um bom fotógrafo está sempre em busca de algo mais. Pode ser uma boa foto ou não. Eu sei, entretanto, que deixo as pessoas à vontade porque sou muito direta. Eu estou lá simplesmente para fotografá-las e é só isso.
Publicado na American Photo. Tradução e edição do Blog da Foto.